terça-feira, 7 de outubro de 2014

REFLEXÃO: Medicalização, a indústria farmacêutica invasiva e sua falsa neurociência

Imagem: Bolsademulher
A tristeza não é uma enfermidade. Sentir dor pela morte de alguém querido não é patológico. E tremer quando se fala em público pela primeira vez, tampouco. A vida não pode ser tratada com comprimidos e, entretanto, cada vez mais recorremos a eles para combater o que não é outra coisa que o simples mal-estar de viver. 

Em vez de assumir pela manhã as nuvens negras com um “bom-dia tristeza”, corremos ao médico para que nos receite anti-depressivos. E em vez de encararmos o chefe tóxico que nos oprime, corremos ao psiquiatra em busca de ansiolíticos.

Em 10 anos produziu-se na Espanha um aumento não justificado do consumo de medicamentos psiquiátricos. Não há na Espanha, país alegre e ensolarado onde haja, por muito que a crise aperte, tanta depressão como indicam as vendas de Prozac e outros anti-depressivos. Nem se justifica que nas estatísticas da OCDE, a Espanha figure em segundo lugar em consumo de tranqüilizantes. 

O quê propiciou este salto tão espetacular? A pressão da indústria farmacêutica, com sua estratégia de ganhar mercados inventando novas síndromes, é assinalada por muitos autores como o desencadeador da espiral medicalizadora. Resulta mais barato e mais lucrativo criar novos mercados para velhos princípios ativos reciclados como novos fármacos do que encontrar novos tratamentos. Ray Moynihan revolveu nos mecanismos que levaram a rotular como enfermidades, processos que não são: desde a fobia social à síndrome das pernas inquietas. A psiquiatria infantil, com o espetacular aumento de diagnóstico de autismo, déficit de atenção e hiper-atividade, resultou o campo melhor abonado. 
 
Byung-Chul Han, escreveu em ‘A sociedade do cansaço’, as conseqüências de submergirmos na sociedade do rendimento, cujo paradigma é esse indivíduo exausto por uma competitividade sem limite que o obriga a estar sempre alerta e em forma, que percebe qualquer distração como uma ameaça para sua carreira. Se ele fracassa, será por sua culpa. Para Zygmunt Bauman, nestes tempos hiper-competitivos, os que não seguem ficam excluídos e isso cria muita angústia. As pessoas veem a vida como o jogo das cadeiras, no qual um momento de distração “pode comportar uma derrota irreversível”. Assim é como, “incapazes de controlar a direção e a velocidade do carro que nos leva, nos dedicamos a escrutinar os sinais do câncer, os sintomas da depressão, os fantasmas da hipertensão ou o colesterol, para nos entregarmos à compra compulsiva de saúde”.

Esta pressão se canaliza para a consulta ao médico
de cabeceira, que só tem o talonário de receitas para fazer frente a tão peremptórias demandas. Porém, os medicamentos não são inócuos. Barbara Starfield, da Universidade John Hopkins, assinalava já em 2002 em ‘To erris human’ que a iatrogenia dos tratamentos era a terceira causa de morte nos Estados Unidos. O problema é que, como indica Enrique Gavilán, médico de família que investigou os processos de medicalização, se não se faz um seguimento adequado, alguns destes fármacos criam dependência. E aí temos uma nova forma de se fazer adictos. Andreu Segura, especialista em saúde pública, lamenta que a sociedade não seja consciente de que os comprimidos também têm efeitos adversos, e isso é a única coisa que produzem quando se receitam sem justificativa.  

Tradução : Graça Salgueiro
Mídia Sem Máscara
DeOlhOnafigueira

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